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quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Acerca da Conversão dos Gentios. É possível tornar-se judeu?




(Ex 22:21) “não afligirás, nem o oprimirás”,
(Dt 10:19) “Amarás o converso”,
(Ex 23:9) “Também não oprimirás o converso”.
(Lv Raba 2: 9) "Quando um prosélito vem a se converter, se recebe-o com a mão aberta, de modo a trazê-lo sob as asas da Divina Presença".
(Tanhuma (ed. Buber), Lekh Lekha 6:32) "Mais precioso para Deus do que todos os israelitas que estavam no Monte Sinai é o convertido. Tivessem os israelitas não testemunhado o relâmpago, o trovão, e o tremor da montanha, e que eles não tivessem ouvido o som do shofar, que não tivessem aceitado a Torah. Mas o convertido, que não viu ou ouviu qualquer uma dessas coisas, entregou-se a Deus e aceitou o jugo do céu. Que pessoa pode ser mais preciosa para Deus do que uma pessoa assim?"
(Talmud, Gerim 4: 3) "Amado são prosélitos por Deus, pois a Bíblia em todos os lugares usa o mesmo epíteto deles como de Israel".

Alguma dúvida?
Ruth, a moabita e a bisavó do rei Davi, que escolheram se converter ao judaísmo. (Rute 1: 16-17) "Onde quer que você vá, eu vou. Onde quer que você estiver, vou estar. Seu povo será o meu povo e o teu Deus, meu Deus. Onde você morrer, eu vou morrer, e ali serei sepultada".

As conversões ao judaísmo feitas por entidades liberais ou reformistas não são reconhecidas pelos ortodoxos. Sendo assim, um não-judeu que deseja de mente e coração viver dentro da Torá e seus preceitos pode se tornar judeu?
 
 
RESPOSTA:

A concepção judaica diz que judeu é aquele que nasce de mãe judia ou quem se converte de acordo com a Halachá, a Lei Judaica. Da mesma forma que ao nascer uma criança de um ventre judaico, adentra nela, automaticamente, uma alma judia, o mesmo ocorre com uma pessoa que passa por uma conversão feita conforme os pormenores da Halachá.

O que significa "feito conforme a Halachá"? Antes de mais nada, a Lei Judaica descreve que uma pessoa só pode passar por uma conversão quando tem a única e exclusiva intenção de abraçar o judaísmo por ideologia, ou seja, por achar que esta é a religião correta a seguir conforme seu entender, sem segundas intenções. Na Halachá consta que, se uma pessoa deseja converter-se para enriquecer, para tornar-se eminente ou, até mesmo, com intenção de se casar, não se deve a princípio convertê-la. Portanto, conforme a Lei Judaica, antes de passar pelo processo de conversão, o Rabinato deve examinar cada caso para sentir se realmente é sincero.

Além disto, o candidato à conversão deve realmente tomar a firme decisão de manter as leis judaicas, não bastando apenas aceitar o judaísmo de coração, pois no judaísmo o que mais importa são as ações e não apenas as intenções. Antes de se converter, este já deve estar cumprindo as leis básicas do judaísmo para comprovar que as seguirá também posteriormente.

Com relação ao próprio processo de conversão, este deve ser feito por um Bet Din (Tribunal Rabínico) composto por três rabinos idôneos (que cumprem as leis judaicas à risca, logicamente), sendo estes conhecedores da Halachá a fundo.

Uma pessoa que passe por este tipo de conversão é considerada judia em todos os aspectos, igual a qualquer outro judeu de nascença e até mais; pois, conforme afirma Maimônides, um judeu de nascença é chamado de filho dos Patriarcas, Avraham, Yitschac e Yaacov; um verdadeiro convertido, porém, é considerado um filho de D'us. A Torá nos ordena tratá-lo com amor, sem reprimi-lo ou enganá-lo.

Uma pessoa, entretanto, que passa por uma conversão fictícia, por mais bem intencionada que seja, não pode ser considerada judia, não apenas conforme o chassidismo, mas conforme a Halachá; pois, no momento de uma conversão real, ocorre não somente uma mudança nos hábitos da pessoa, mas algo mais profundo: ela recebe uma alma judia. Isto só pode ocorrer quando a conversão é feita de acordo com a vontade do Criador das almas, a qual Ele expressou na Halachá por intermédio de Moshê.

Isto não quer dizer que uma pessoa que passou por outro tipo de conversão não seja benquista pela Halachá; muito pelo contrário, pode ser até que tenha as melhores intenções e seja uma ótima candidata, só que escolheu este caminho por falta de instrução.

Nossos sábios aprenderam a maioria das leis de conversão da história de Ruth, a moabita. Após sua sincera devoção e aceitação total do judaísmo, foi aceita pelo Bet Din, convertida e posteriormente desposou o então líder do povo judeu, Boaz. Entre seus descendentes, encontramos personalidades chaves de nossa história, como o rei David, o rei Shelomô (Salomão), e toda sua dinastia, até seu último herdeiro, Mashiach (Messias).

Fonte: http://www.chabad.org.br/interativo/FAQ/tor_judeu.html




Yom Kipur 2017 / 5778





A partir do início da noite: sexta-feira, 29 de setembro Até o início da noite:sábado, 30 de setembro
Vale a pena lembrar:
Existem 6 proibições no Yom Kipur:

Comer (come-se um pouco antes do pôr-do-sol ainda na véspera do dia até o nascer das estrelas do dia de Yom Kipur);

Usar calçados de couro;

Manter relações conjugais;

Passar cremes, desodorante, etc. no corpo;

Banhar-se por prazer.

Usar eletrodomésticos.

A essência destas proibições é causar aflição ao corpo, dando, então, prioridade à alma. Pela perspectiva judaica, o ser humano é constituído pelo yetzer hatóv (o desejo de fazer as coisas corretamente, que é identificado com a alma) e o yetzer hará (o desejo de seguir os próprios instintos, que corresponde ao corpo). Nosso desafio na vida é "sincronizar" nosso corpo com o yetzer hatóv. Uma analogia é feita no Talmud entre um cavalo (o corpo) e um cavaleiro (a alma): É sempre melhor o cavaleiro estar em cima do cavalo!
                    
Orações:
Durante as orações fala-se o Vidui, uma confissão, e Al Chet, uma lista de transgressões entre o homem e Deus e o homem e seu semelhante. É interessante notar duas coisas: primeiro, as transgressões estão em ordem alfabética (em hebraico). Isto torna a lista bastante abrangente, além de permitir a inclusão de qualquer transgressão que se queira na letra apropriada.

Em segundo lugar, o Vidui e Al Chet estão no plural, o que pretende transmitir a ideia de que o povo judeu é um povo "entrelaçado", onde todos devem ser responsáveis pelos outros. Mesmo não cometendo uma determinada ofensa, pretende-se transmitir uma carga de responsabilidade por aqueles que a cometeram - especialmente se a transgressão pudesse ter sido evitada por aqueles que não arcarão com as culpas.      
              
O Yom Kipur
Ao longo de todo o ano o homem comete toda sorte de erros e pecados, voluntários e involuntários. O processo da teshuvá(arrependimento, retorno ao bem) não poderá realizar-se magicamente em um dia. A tradição judaica coloca ao mês de EluI, último do ano, como prefácio para ir preparando o homem para a reflexão profunda, até o grande caminho interior. Cedo, nas manhãs de Elul se ouve o som do shofar.

Uma semana antes de Rosh Hashaná, também durante a madrugada, se dizem as orações que se chamam "selichot" - perdões). O 1º de Tishrei é o grande dia, a base para um ano novo e um novo ano de vida. Depois seguirão nove dias até o dia do perdão. Dez dias, para aprofundar-se dentro de si, afastar o mal, aproximar o bem. O processo chega a sua culminância no dia 10º de Tishrei : Yom Kipur.

A expiação, Kipur, na raiz hebraica, refere-se ao "que cobre", ou seja, o castigo que envolve o ato perverso. Tudo o que se pode anular, deter ou parar é o castigo; mas não o ato cometido; esse ato está aí e a única maneira de superá-lo é através de uma transcendental modificação da conduta pessoal posterior. Os atos são do homem, seguirão sendo dele, e a conseqüência, sua responsabilidade. Deus pode apagar o castigo, não o ato. O jejum - que acompanha todo o dia do perdão - por sua parte não faz milagre. O jejum do dia não sacrifica nada a favor de Deus, sendo que tal idéia seria eminentemente pagã. O que faz é reconcentrar o homem em seu espírito, afastá-lo, por algumas horas, da servidão do homem ao corpo e a suas necessidades.

Observa-se também que as más ações ou transgressões têm duas polaridades: uma do homem em relação ao homem e a outra, do homem em relação a Deus. A primeira é a da vida diária, exterior, social e inter-humana. A outra, do âmbito da alma, é o segredo da consciência. A primeira é coisa de homens, e os homens têm de resolvê-la: "As transgressões que vão de homem a homem, não são expiadas pelo Yom Kipur, se antes não forem perdoadas pelo próximo ".

Daí que se costuma pedir previamente o perdão de nossos semelhantes, se eles não perdoam, Deus não poderá intervir.    
                
Jejum no Yom Kipur

É o dia do perdão - quando Deus perdoa a todo Israel. Durante esse dia, nada pode ser comido ou bebido, inclusive água. Não é permitido lavar a boca, escovar os dentes ou banhar o corpo. Somente o rosto e as mãos podem ser lavados pela manhã, antes das orações. Não se pode carregar nada, acender fogo, fumar, nem usar eletricidade. O jejum não é permitido para crianças menores de 9 anos, pessoas gravemente enfermas, mulheres grávidas e aquelas que deram à luz há menos de trinta dias.

Se uma pessoa, enquanto estiver jejuando em Yom Kippur, passar mal, a ponto de quase desmaiar, deve-se lhe dar comida até que se recupere. Se houver perigo de uma epidemia, e os médicos da cidade aconselharem que é necessário comer a fim de resistir à moléstia, exige-se que todos comam.

Existem outras proibições, além daquelas contra trabalhar, comer ou beber. As relações conjugais são proibidas, bem como o uso de perfumes e ungüentos, exceto para fins médicos. Além disso, sapatos e outras peças da indumentária feitas de couro não podem ser usadas no Yom Kipur, pois não se pode usar nenhum material para o qual seja necessário matar um animal.

Após o Yom Kipur, espera-se que haja festa e alegria, não perdendo de vista o fato de que o feriado é um dia santo de júbilo.                      

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

O KIDDUSH






O kidush é um preceito positivo santificar o dia de Shabat com palavras, como está escrito: Lembre do dia do Shabat para santificá-lo. Os sábios explicaram que cumprimos está santificação fazendo o kidush sobre um copo de vinho, pois esta é a base do
Edição 29 - Junho de 2000 Revista Morashá


O kidush é um preceito positivo da Torá. Maimônides, no capítulo 29 das Leis de Shabat, fez a seguinte afirmação: "É um preceito positivo santificar o dia de Shabat com palavras, como está escrito: Lembre do dia do Shabat para santificá-lo". Os sábios explicaram que cumprimos está santificação fazendo o kidush sobre um copo de vinho, pois esta é a base do fundamento da fé do povo judeu: o Eterno criou os céus e a Terra em seis dias e no sétimo descansou.
Em sua obra A rosa de treze pétalas, o rabino Adin Steinsaltz escreve que a taça do kidush simboliza o recipiente através do qual a bênção chega até nós. O valor numérico das letras que formam a palavra Kos, copo em hebraico, é 86 e equivale àquele do nome de D’us. A palavra vinho tem o valor numérico 70, equivalente ao número da véspera de Shabat. Então o vinho – vermelho – representa a sefirat de guevurá, força, julgamento severo. Na taça quase cheia, pode-se colocar um pouco de água, gesto que significa que se está pedindo um julgamento com misericórdia.
No livro Shomer Shabat está escrito que, ao se chegar em casa na sexta-feira à noite, deve-se recitar o kidush sem ter comido ou bebido nada após o pôr-do-sol. A taça é colocada na palma da mão direita, com os dedos em concha. Tanto o kidush da sexta-feira à noite, quanto o de sábado devem ser feitos na mesma mesa onde a refeição será servida. Todos os que ouvem o kidush devem fazer esta mitzvá em silêncio, só dizendo amém após as bênçãos. Todos devem provar o vinho e, durante o kidush, tudo o que estiver na mesa, inclusive o pão, deve ser coberto. É costume ficar-se de pé enquanto o kidush é recitado.
Prece
O kidush é composto de duas partes. Começa com o trecho da Torá (Gênese 2:1-3) no qual pela primeira vez menciona-se o Shabat e depois segue-se a oração feita pelos sábios especialmente para o kidush. Entre as duas partes está a bênção do vinho – Borê pri haguefen. Antes da bênção do vinho há duas palavras em aramaico, avisando aos presentes que se preparem para a oração. A declaração "Bendito sejas... por cujos mandamentos somos santificados" significa que a mitzvá é uma maneira de se alcançar um nível de santidade.
Em seguida, a prece menciona a escolha de Israel, que, mais do que qualquer outra nação, tem o dever de continuar o ato da criação e, em conseqüência, o repouso e a santidade. Em seguida, menciona-se o êxodo do Egito, quando o Shabat relembra os tempos de escravidão. Segundo Steinsaltz, "o Shabat é o dia da semana que lembra a liberdade, celebrando a libertação e o êxodo do Egito, assim como o conceito de salvação que, como derradeira no mundo, é o Shabat do mundo. A oração do kidush conclui com a relação do povo judeu com o Shabat, fechando assim o círculo da relação entre D’us e o mundo...".

UM DIA DIFERENTE

O judaísmo é um código de lei extremamente complexo, em que muitos de seus preceitos são incompreensíveis pela mente humana e outros exigem um grande esforço intelectual para se começar a compreendê-los.


Edição 29 - Junho de 2000 Revista Morashá


Vamos aternos a um preceito que todos conhecem, alguns cumprem e sobre o qual outros tentam aprofundar-se: O Shabat.


O que faz esse dia ser tão comentado, estudado, com uma enormidade de livros que discutem suas leis? Não deveria, afinal, ser um simples dia de descanso? Não seria mais fácil pegar o carro, ir para a praia e deitar-se numa esteira, curtindo o som de um walkman?


A observância das leis da Torá não é uma privação de prazeres, mas é um prazer ainda maior de agir convictamente, pensando na finalidade de tudo o que se faz.


Em geral, as sociedades utilizam a repetição de eventos da natureza para organizar-se no tempo. Os calendários têm essa função e se utilizam desses eventos, como a posição da lua, das estrelas, do sol, e até o comportamento dos animais, que se repetem, em dadas freqüências, como referencial. Assim, aproximadamente, a cada 365 dias e um quarto temos o primeiro dia de inverno, a cada 29 e meio, uma lua nova, e assim por diante...


Como exemplo, o calendário gregoriano, que é baseado na posição da Terra em relação ao Sol, o muçulmano, baseado na posição do sol em relação à lua (calendário lunar), e o chinês e judaico, baseados tanto no ciclo solar como lunar. Portanto, os dias, meses e anos, não importando a cultura, baseiam-se na posição de algum astro com relação a outro no sistema solar.


O interessante é a análise da semana. Não há absolutamente nenhuma indicação física no universo de um período repetitivo de sete dias. No entanto, todas as civilizações do mundo adotam esse intervalo como divisão no seu calendário e principal referência para organização de suas tarefas.


Para explicar esse fenômeno, precisaria ultrapassar o limite da matéria. Esse intervalo existe em decorrência de fatores que acontecem em uma freqüência de sete dias, tendo um caráter espiritual. Entenda-se por espiritual eventos que não são perceptíveis aos cinco sentidos humanos. Um exemplo disso seria o pensamento, nós não podemos vê-lo, ouvi-lo, tocá-lo, cheirá-lo, nem degustá-lo.


A referência aqui é, claro, ao Shabat. De fato, todas as sextas-feiras, a partir do pôr-do-sol, todo judeu é presenteado com uma ampliação de seu ser; à nossa essência é agregada uma dose extra de espiritualidade, que nos é removida ao escurecer do dia seguinte.


A base bíblica para o Shabat se apóia nos sete dias da criação do universo, que correspondem aos sete dias universais que compõem a semana, e que são inexplicados em termos físicos.


Segundo a Torá, D'us criou o universo em seis dias e descansou no sétimo. Baseando-se nisso, o judeu trabalha seis dias da semana e dedica o sétimo ao descanso. Há, porém, algumas contradições, muito provavelmente criadas por nossa supervalorização dos meios, e não dos fins. Se o Shabat fosse um dia que devêssemos dedicar exclusivamente ao descanso, por que a Torá e os grandes sábios proibiram-nos de andar de carro para andarmos a pé, ou de subir de elevador para subirmos de escada? Essa pergunta já deve ter sido feita por um grande número de judeus. A resposta é que o Shabat não é um dia que devemos dedicar ao descanso. Isso o colocaria sob a simples condição de meio para que pudéssemos ganhar forças para o resto da semana. Porém, o Shabat não é um meio, mas um fim em si mesmo. É mais válido dizer que trabalhamos durante a semana para condecorar o Shabat.


Uma outra contradição se apóia no fato do princípio de nossa fé de que o Criador é perfeito, ou seja, que não necessita de nada para cumprir sua tarefa. Então por que precisaria descansar, se sabemos que Seus poderes são infinitos?


Na realidade, D'us não descansou no sentido usual da palavra, mas dedicou-se a criar o Shabat. Afinal, o universo foi feito em 7, não em 6 dias.


Lendo o primeiro capítulo da Torá, percebemos que a o projeto da criação segue uma ordem enumerada do objetivo mais simples ao mais complexo. Primeiro foram criadas a luz e a escuridão. Depois surgiram os mares, as plantas, os animais, e assim por diante. Os últimos a serem criados não foram o homem e nem a mulher, mas sim o Shabat, no sétimo dia. Seguindo esse raciocínio, percebemos que tudo foi criado para o homem, mas esse também tinha sua função. Ele foi criado, entre outros, para "servir" o Shabat. O que faz o Shabat ser a última das criações? A sua própria semelhança com os atributos do seu Criador, como explicaremos mais adiante.


O descanso referido em nossos livros é o ato da não intervenção física e direta na matéria. Enquanto D'us cessou de criar, de intervir na natureza, os judeus não a transformam. Assim, para nos assemelharmos ao Criador (D'us criou o homem à sua semelhança) também não intervimos na matéria, não mexemos em eletricidade, não arrancamos folhas, não acendemos fogo, não colhemos frutas, não deixamos a água ferver e não deslocamos objetos que não tenham utilidade no Shabat, por exemplo. Pois essas são ações nas quais, de alguma forma, trocamos o rumo da matéria. Se não tivéssemos interferido, ela continuaria do jeito que estava antes.


Isso vem explicar a semelhança entre o Shabat e o Criador, pois Ele é Eterno, Imutável e, por analogia, podemos caracterizá-Lo envolto em grande tranqüilidade.


Como sabemos, no entanto, quais são ao trabalhos proibidos, cujas ausências caracterizam o descanso divino?


Essa pergunta nos remete ao episódio da construção do santuário, o Mishcan que o povo judeu carregava consigo no deserto, em sua subida do Egito para Israel. O Mishcan era o centro religioso do povo, naquela época, onde oferecia-se sacrifícios para D'us e, de alguma maneira que escapa à nossa compreensão, era uma maquete do universo. O seu engenheiro possuía todos os segredos da arquitetura do universo, e utilizou os mesmos trabalhos, ou melachot, usados por D'us nos 6 primeiros dias da criação. Portanto, as melachot, ou atos proibidos no Shabat, provêm dos trabalhos utilizados por nossos antepassados na construção do Mishcan.


Existem 39 melachot proibidas para o Shabat: transportar, queimar, extinguir, fazer acabamento, escrever, apagar, cozinhar, lavar, costurar, rasgar, amarrar, desamarrar, moldar, arar, plantar, segar, colher, debulhar, joeirar, escolher, peneirar, moer, amassar, pentear, fiar, tingir, fazer ponto em série, urdir trama, tecer, desembaraçar, construir, demolir, pegar em armadilha, cortar, abater, esfolar, curtir o couro, amaciar o couro e marcar.


É evidente que a simples leitura desses verbos não leva à compreensão de quais são as proibições. No entanto, um aspirante a Shomer Shabat deve estudá-los com profundidade.


Concluindo, o Shabat é um acontecimento central em nossas vidas e tem papel fundamental para quem busca o sentido de sua existência. É um dia que deve ser aguardado com ansiedade durante a semana, pois está repleto de verdade e alegria que, via de regra, andam juntas. Porém essas qualidades devem ser buscadas, não nos são entregues de "mão beijada". Se muitos não percebem diferença entre o Shabat e os demais dias, é porque não as buscam. O ritmo imposto pela sociedade não nos dá tempo para parar e pensar o que realmente devemos fazer em nossas vidas e onde investir nosso tempo. Em meio à correria, devemos achar pontos para parar e reavaliar se o caminho por onde tanto nos apressamos é o ideal, e traçar as estratégias para os caminhos futuros, sempre visando um objetivo concreto. Para isso temos o Shabat, um momento para enxergarmo-nos de um ângulo externo, como um torcedor que assiste o seu time. Assim, podemos ver muita coisa que a correria do dia-a-dia nos obscurece, e chegamos mais perto da verdade e da alegria que são prometidas pelo Shabat. Então nos apartamos do físico para mergulhar no espiritual. Para isso, buscamos um ambiente tranqüilo que é desejado para todos através da famosa saudação "Shabat Shalom"?


Rony Dayan

Bibliografia: Kaplan, Arieh, "Shabat, dia de eternidade",

Revisão: Rabino Tawil


HAVDALÁ, A CERIMÔNIA DO FIM DO SHABAT


“Abençoado sejas Tu, ó Senhor nosso D’us, Rei do Universo, que distingues entre o sagrado e o profano, entre a luz e a escuridão, entre Israel e as nações, e entre o sétimo dia e os outros seis dias de trabalho”.
Edição 37 - Junho de 2002 Revista Morashá

Havdalá é uma cerimônia profundamente poética, realizada sempre no final do Shabat e das festas. Marca a passagem de um dia sagrado para um dia de rotina, ou seja, do Shabat para o restante da semana. A Havdalá, palavra cuja origem vem do hebraico Le’Havdil – separar ou diferenciar – marca também o fim de todas as leis especiais e as proibições relativas ao Shabat. Após essa cerimônia, é permitido recomeçar a rotina semanal do viver cotidiano.

A Havdalá é recitada em pé, ao anoitecer de sábado, após o aparecimento das primeiras três estrelas médias. Esta prece pode ser feita em casa ou na sinagoga e não requer um minian (quorum de dez judeus). É um mandamento que tanto homens quanto mulheres devem seguir. Se não for possível realizar a cerimônia inteira, deve-se fazer, ao menos, a bênção abreviada (Baruch Hamavdil Ben Kodesh Lechol) antes de acender as luzes.

Entre sombras e luzes produzidas pela chama de uma vela comprida e trançada, pronunciam-se quatro bênçãos, todas relacionadas com os nossos sentidos: a primeira sobre uma bebida – geralmente vinho; a segunda sobre especiarias ou uma planta perfumada; a terceira, sobre a luz da chama; e a quarta e última, em louvor a D’us, confiantes que Ele nos dará a força e a determinação para enfrentar os desafios da nova semana.

A cerimônia começa ou termina com uma canção que fala sobre Eliahu Hanavi. O profeta anuncia o Messias que, segundo a tradição, não virá no Shabat, pois este representa o sabor do mundo vindouro. Portanto, quando o Shabat termina, pode-se voltar a ter esperança de que o profeta Eliahu está por vir, prenunciando a época messiânica. O mundo, então, será transformado em um longo Shabat.

As bênçãos

As bênçãos são feitas em seqüência específica, o que pode ser entendido como um aprimoramento, uma elevação espiritual: dos lábios para o nariz, daí para os olhos e, finalmente, para o cérebro. Isto é, enquanto o vinho deve ser tomado, as especiarias bastam ser aspiradas para elevar e alegrar nossa alma. A vela nem precisa estar muito próxima para que sua luz derrame claridade, enquanto que para nos conscientizarmos do término do Shabat não se faz necessário nenhum dos sentidos, é como se nosso cérebro o compreendesse de pronto.

Assim como o Shabat começa com o kidush – a bênção sobre o vinho – também termina, na Havdalá, da mesma forma. O vinho tem uma conotação de alegria e de celebração. Existe o costume de encher o copo de vinho até transbordar, para atrair a bênção da abundância (Salmo 23). Apesar de ser a bebida mais adequada para a reza, se não houver vinho, pode-se usar qualquer líquido considerado importante, exceto água. Contrariamente ao do kidush, o vinho da Havdalá não é distribuído aos presentes, sendo unicamente ingerido, ao final da cerimônia, por aquele que pronuncia a bênção. Há também entre as diferentes comunidades o costume de esfregar vinho nas têmporas ou atrás da orelha. Os sefaraditas costumam passá-lo atrás da orelha, nas têmporas, na nuca e nos cantos dos bolsos, para trazer sorte.

A bênção sobre as especiarias é a segunda. Esta é a uma das raras vezes no ri-tual judaico em que se usam aromas. Desconhecemos a origem do costume, pois esta já se tinha perdido quando o Talmud foi escrito. Qual seria o significado deste ritual perfumado? Por que devemos inalar o aroma de especiarias (bessamim, em hebraico) no final do Shabat? Segundo os ensinamentos cabalísticos, na véspera do Shabat o homem recebe uma alma suplementar, que em hebraico é chamada neshamá yeterá. Quando esta alma adicional retorna a seu mundo, ao término do Shabat, o homem, sentindo a perda, mergulha em profunda nostalgia e utiliza o perfume para se reerguer e reanimar o corpo.
Diz o Zohar que “o espírito entristecido se reanima ao cheirar as especiarias da Havdalá”. Os místicos consideram a Havdalá uma proteção contra as forças negativas que voltam a atuar ao término de cada Shabat. Atualmente, costuma-se usar especiarias aromáticas para esta bênção, mas até o século XII usavam-se plantas aromáticas, como a mirta. Em algumas comunidades sefaraditas e orientais ainda se utilizam plantas perfumadas e água de rosas.

A terceira bênção é feita sobre a luz de uma vela trançada, que é acesa logo no início da cerimônia. Os presentes recitam a bênção sobre a luz, enquanto olham para seus dedos e unhas, o que significa que estão fazendo uso da luz, porque acender a luz sem um propósito constitui uma berachá levatalá – uma benção inútil.

A vela utilizada para a Havdalá tem mais de um pavio, pois é necessária uma combinação de no mínimo duas chamas, pois assim está escrito: “Boré me’oré ha-esh” – “Aquele que cria as luzes do fogo” (luzes, no plural). A vela trançada simbolizaria também a unidade encontrada no final do Shabat. Alguns místicos vêem a presença da mulher predominando na sexta-feira à noite; a do homem, no sábado de manhã, e os dois reunidos, no final do Shabat. Há também uma interpretação que diz que as tranças da vela representariam os diversos tipos de judeus espalhados pelo mundo, todos parte de um mesmo povo.

Os presentes observam através da chama da vela acesa os dedos e as unhas para lembrar a transparência do primeiro homem, em contraste com nossa opacidade. Segundo a tradição, Adão, o primeiro homem, descobriu o uso do fogo quando terminou o Shabat da Criação, pois D’us lhe dera duas pedras que esfregou, uma na outra, até que se fez o fogo. Ao ver o fogo, Adão fez uma bênção.

O costume de colocar os dedos curvados sob a luz permite que, ao se vislumbrar a sombra sobre os dedos, possa-se notar a distinção entre a luz e a escuridão. No caso das unhas, a explicação é que, com seu crescimento constante, são um símbolo de prosperidade para a semana que se inicia. O fogo da chama representa a criatividade física evitada durante o Shabat e que, nesse momento, volta a ser utilizada.

A quarta bênção, a prece da Havdalá – Birchat Havdalá – é finalmente recitada, louvando a D’us, que distingue entre o sagrado e o profano, entre a luz e a escuridão, entre Israel e os outros povos, e entre o sétimo dia – dia do descanso – e os seis dias de labor. Nesse momento, as pessoas se cumprimentam, desejando Shavua Tov, que seja boa e abençoada a semana que se inicia.

As bênçãos da Havdalá são quase idênticas entre os diferentes ritos, sefaradita, ashquenazita e iemenita. A frase inicial é a mesma – “Kos yeshu’ot essa”– “Levantarei o copo da salvação”. No entanto, as sentenças de introdução são diferentes: os sefaraditas pedem para serem abençoados com coisas boas e sucesso, os ashquenazitas recitam frases bíblicas contendo o termo yeshu’á, salvação, e os iemenitas rezam por uma boa semana.

Os objetos utilizados nesta poética cerimônia, têm um grande valor simbólico. Este simbolismo serviu de inspiração para os artesãos de arte judaica, levando à produção artística de uma grande variedade de peças lindíssimas e muito procuradas: os suportes de vela trançada de Havdalá e as caixas de bessamim ou hadás, utilizadas para armazenar as especiarias – tradicionalmente cravo da Índia ou folhas de mirta. Estas caixas, que aparecem pela primeira vez nos textos do século XV, são encontradas em diversos formatos, entre os quais, moinho de vento, flor, peixe e até locomotivas de vapor e carroças. São feitas de prata, madeira ou outros materiais. Na Alemanha e nos países da Europa Oriental, estas caixas são encontradas sob o nome de Bessamimbüchse ou Gewürzbüchse.

Bibliografia:
Glustrom, Simon, The Language of Judaism 
Quaknin, Marc-Alain, Symboles du judaïsme 
Vatitpalel Chana, Sidur para a Mulher
Wigoder, G., The Encyclopedia of Judaism

O Kidush da noite de Shabat

“Aquele que recita o ‘Vayechulu’ (o Kidush) na noite do Shabat é considerado como se ele se tornasse parceiro de D’us na criação do mundo” (Talmud, Tratado Shabat, 119b).
Edição 72 - Julho de 2011

A recitação do Kidush na noite de Shabat, cujo cumprimento cabe igualmente a homens e mulheres, é um dos mandamentos judaicos mais significativos e amplamente observados.
A guarda do Shabat – o único ritual judaico que é um dos Dez Mandamentos – é um dos pilares do judaísmo. É um mandamento tanto positivo quanto negativo. Isso significa que seu cumprimento se baseia em atos de cometimento e omissão. A Torá nos ordena “lembrar” (zachor) e “guardar” (shamor) o Shabat. “Guardamos” o Shabat abstendo-nos de realizar quaisquer dos 39 trabalhos (melachot) e suas derivações (toladot) proscritos nesse dia sagrado, e o “lembramos”  recitando o Kidush nas noites de sexta-feira.
Como o Shabat abrange duas diretrizes Divinas, não se trata de uma mitzvá do tipo “tudo ou nada”. Portanto, mesmo aqueles que não o “guardam”, devem cumprir o mandamento que ordena: “Lembra-te do dia do Shabatpara santificá-lo” (Êxodo, 20:8), por meio da recitação do Kidush antes do jantar da noite de sexta-feira.
A recitação dessa bênção serve, portanto, para cumprir o mandamento positivo de “lembrar” do Shabat pelo fato de que o texto do Kidush enfatiza a santidade do dia – a distinção entre os seis dias mundanos da semana e o sétimo, sagrado. Há um princípio geral no judaísmo de que, na medida do possível, um evento espiritual deve ser expresso através de um ato físico. Daí o Kidush ser ligado à ingestão do vinho; não basta apenas recitar palavras sagradas.
De modo geral, ao recitar o Kidush, o fazemos sobre uma taça de vinho necessariamente casher e, de preferência, tinto. No entanto, se entre os participantes alguém não pode ingerir bebida alcoólica, esta pessoa deverá tomar suco de uva casher. A bênção é idêntica à do vinho. No caso de não haver vinho ou suco de uva casher, pode-se fazer o Kidush sobre o pão e, em vez de recitar a bênção Bore Peri HaGuefen, “que cria o fruto da videira”, diz-se, Hamotzi Lechem min Ha’aretz, “que tira o pão da terra”. Quando se usa pão em lugar de vinho, é preciso fazer a lavagem ritual das mãos (Netilat Yadaim) antes de fazer o Kidush, para que se possa comer o pão imediatamente após o término de sua recitação.
O Shabat é consagrado por meio de um ato físico porque o propósito dos mandamentos da Torá é santificar o mundo, infundindo o material no espiritual. Isso explica por que se usa vinho, em particular, no Kidush: por um lado, serve como um componente do prazer humano; por outro, por ter sido a única bebida, à exceção de água (em Sucot), que serviu de libação no altar do sacrifício no Tabernáculo e no Templo Sagrado de Jerusalém. O vinho, portanto, serve tanto como propósito físico quanto espiritual. Como o Talmud diz: “O vinho alegra D’us e o homem”.
Mas como o vinho, especialmente o tinto, é um símbolo de severidade e julgamento (a cor vermelha remete ao sangue) – a Cabalá nos recomenda adicionar ao vinho do Kidush uma pequena quantidade de água, que simboliza amor e graça. Primeiro o vinho é colocado quase que até a borda do copo 
de Kidush; a seguir, acrescenta-se um pouquinho de água. Esta cria uma “mistura” adequada de harmonia entre a benevolência e a severidade – ou seja, as duas primeiras Sefirot emocionais: Chessed Guevurá.
Durante a recitação do Kidush da noite de sexta-feira, todos os presentes ficam de pé, porque o desempenho de tal mandamento Divino equivale a prestar testemunho de que D’us criou o mundo e, segundo a Lei Judaica, as testemunhas precisam ficar de pé ao depor. Ao dizer o Kidush, a pessoa atesta que D’us criou os Céus e a Terra. Essa é a base e o fundamento para a santificação do Shabat e para a sua observância. Diz a Torá: “(O Shabat) é um sinal entre Mim e os Filhos de Israel para sempre, que em seis dias o Eterno fez os céus e a terra, e no sétimo dia Ele cessou e descansou” (Êxodo, 31:17).
Enquanto recita o Kidush, a pessoa deve ter em mente que está cumprindo esse mandamento Divino tanto para ele como para todos os presentes. Já os ouvintes, estes devem ter em mente que o fato de ouvir o Kidush equivale a se eles próprios o estivessem recitando. Portanto, devem ficar em silêncio, e responder “Amén”. Quem interromper o Kidush por qualquer motivo, por exemplo, até mesmo para dizer “Baruch Hu U’Baruch Shemó” (Abençoado é Ele e abençoado é Seu Nome) invalida o cumprimento desse mandamento Divino para si próprio.
Uma vez recitado o Kidush, aquele que fez essa bênção bebe uma quantidade significativa do vinho, participando assim da comunhão do físico com o espiritual, que é a essência dos rituais judaicos. É costume que todos os presentes provem do vinho do Kidush. Contudo, quem participa da cerimônia e ouve a bênção sem interrompê-la, cumpriu com a obrigação mesmo sem ter bebido do vinho.
O texto do Kidush
No texto do Kidush, há duas partes distintas, separadas uma da outra pela bênção do vinho. Em algumas versões do Kidush, há exatamente 35 palavras em cada uma das partes, perfazendo um total de 70, que é o número místico da noite de Shabat. Esse número também representa um múltiplo de dois números significativos: sete, o numeral do sétimo dia, e dez, que alude às Dez Sefirot – três intelectuais e sete emocionais.
A primeira parte do Kidush, que é retirada da Torá, sendo, portanto, de autoria Divina, fala do Shabat do ponto de vista transcendental do Criador, como sendo o objetivo e conclusão perfeita da Criação. 

A segunda parte foi cunhada pelos Sábios. A primeira parte descreve o aspecto Divino do dia sagrado, ao passo que a segunda expressa sua santidade sob a óptica do Povo Judeu, expressando todos os elementos que constituem a natureza do Shabat e o relacionamento especial entre esse dia e o Povo de Israel.
A segunda parte do Kidush se inicia com a abertura para as bênçãos sobre qualquer mandamento Divino: “Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos santificaste com Teus mandamentos”. Tais palavras expressam que os mandamentos Divinos são uma forma de adquirir santidade e, ainda mais, que os próprios mandamentos são um ato de santidade. Por meio dos mesmos, somos santificados perante o Eterno, pois enquanto estamos engajados em um Mandamento Divino, estamos unidos a D’us. Enquanto estamos cumprindo Sua Vontade, nós seres humanos finitos, unimo-nos com o Ser Infinito.
O Êxodo do Egito é também mencionado na segunda parte do Kidush, porque o Shabat – dia de descanso da labuta – é associado com a libertação de nosso povo da escravidão no Egito. Israel, povo de escravos, adquiriu a redenção e a liberdade, tornando-se uma nação de homens livres, capaz de cessar o trabalho e descansar em determinados períodos. Em sentido mais profundo, o Êxodo do Egito simboliza a libertação de certas experiências e atribulações e prisões terrenas, e a ascensão ao serviço Divino. A libertação do Egito foi uma metamorfose para o Povo Judeu: passamos de escravos de um rei perverso a servos de um Ser Infinitamente benevolente. Todas essas idéias estão incorporadas no Shabat, quando descansamos de todos os labores do mundo físico e transcendemos o mundano, adentrando um período de tempo sagrado e santificado por D’us.
Assim sendo, para podermos melhor apreciar o significado do Kidush, preparamos, com base nos ensinamentos de nossos Sábios, uma breve transliteração, tradução e comentários, frase por frase, explicando o texto do Kidush, a partir do Sidur do rito sefaradita.
(Vayehi Erev Vayehi Boker), Yom Hashishi – (E seja noite e seja manhã), O sexto dia
As duas palavras, Yom Hashishi, que concluem a contagem dos seis primeiros dias da Criação, não se referem ao testemunho da santidade do Shabat. Contudo, fazem parte do texto do Kidush porque as primeiras letras das palavras Yom Hashishi Vayechulu HaShamayim formam o Nome de Quatro Letras de D’us. Mas, como as palavras Yom Hashishi (o sexto dia) não têm significado lógico se estiverem fora de contexto, os Sábios incorporaram as palavras que as precedem “Vayehi Erev Vayehi Boker”, que são recitadas em voz baixa antes da oração do Kidushpropriamente dito.
Vayechulu Hashamayim VeHaaretz VeChol Tzevaam – Os Céus e a Terra e todas as suas multidões estavam completos
Isso significa que o Universo inteiro, o mundo superior e inferior, e todos os tipos de criaturas de todas as espécies físicas e espirituais que os habitam foram criados por D’us durante os primeiros seis dias da Criação.
A recitação desse verso é um ato de testemunho: atestamos a criação dos Céus e da Terra por D’us – a base e fundamento da santidade do Shabat e de sua observância. Em outra parte da Torá está escrito que “Entre Mim e os Filhos de Israel, é um sinal para sempre, que em seis dias o Eterno fez os céus e a terra, e no sétimo dia Ele cessou e descansou” (Êxodo, 31:17).
A maioria de nossos Sábios entendeu o significado exato da palavra Vayechulu sendo diferente de uma palavra semelhante, Vayechal, encontrada no próximo verso, significando que D’us “terminou” ou “completou”. Aqui o termo significa que tudo chegara a um estado de término, da perfeição de sua natureza essencial – ou seja, um todo em sua inteireza perfeita.
Vayechal Elo-him Bayom HaShevii Melachto Asher Assá– E D’us terminou no sétimo dia Seu trabalho que Ele havia feito
Não tinha o Eterno terminado Seu trabalho no sétimo dia, mas no final do sexto? Alguns Sábios explicam que a Criação ocorreu em sete dias, pois não é como se D’us tivesse criado o mundo em seis dias e depois o deixou por sua conta no sétimo. Pelo contrário: no sétimo dia, D’us criou o conceito de descanso. O Shabat e seu repouso são, em sua essência, a culminação da criação do mundo. São o cúmulo da perfeição que faltava ao mundo e que foi alcançado no sétimo dia da Criação.
É importante explicar o propósito do repouso na Criação. Oferecemos aqui a seguinte analogia. Um fazendeiro empenha-se muito para plantar as safras; ele lavra e semeia a terra e faz tudo o que é preciso. Mas há um período de espera antes de iniciar a colheita. O solo parece ser passivo nesse processo, mas é isso o que permite que o plantio ocorra. 

O mesmo pode ser dito sobre a Criação, de modo geral. Sem o Shabat, o mundo não seria capaz de colher os frutos do labor Divino e humano. Trabalhamos seis dias na semana e depois descansamos no sétimo, para que nosso trabalho possa germinar e render seus benéficos resultados.
Vayishbot Bayom HaShevii Mikol Melachto Asher Assá – E Ele descansou no Sétimo Dia de todo o Seu trabalho que Ele havia feito
“Terminou” (Vayechal) e “descansou” (Vayishbot) não são palavras de idêntico significado. Terminar um trabalho tem a conotação de cessar ou abster-se de uma atividade; descansar implícita um estado de lazer. Há, de fato, dois mandamentos separados na Torá acerca do Shabat: o mandamento negativo de abster-se de trabalhar e o mandamento positivo de descansar. Este último não significa, contudo, que a pessoa deva dormir o dia todo. Significa que deve abster-se de trabalhos e atividades mundanas e se dedicar a atividades prazerosas (contanto que sejam permitidas no Shabat) – por exemplo, fazer fartas refeições – e a afazeres espirituais, tais como a oração e o estudo da Torá.
Vayevarech Elo-him et Yom HaShevii Vaycadesh Oto – E D’us abençoou o sétimo dia e o santificou
É importante enfatizar que a bênção e a santidade não são fenômenos visíveis nem tangíveis. O curso contínuo do mundo físico não cessa seu progresso durante o Shabat. A transição do mundano para o sagrado precisa, pois, ocorrer dentro de cada um de nós. A singularidade do sétimo dia reside na possibilidade de transformação do Shabat em uma fonte de bênção a partir da qual todos os demais dias da semana sejam abençoados. Mas isso depende de nosso comportamento no dia sagrado.
“E o santificou”: A santidade desse dia está no fato de ter sido santificado como um dia sagrado desde o momento da Criação, santidade esta que foi revelada a Israel no Monte Sinai como um mandamento específico. Ademais, a santidade do Shabat não depende do fato dos homens o guardarem; ela existe independentemente da participação humana. O Talmud e a Cabalá ensinam que quando se inicia o Shabat, o judeu recebe uma alma adicional, que permanece dentro de seu corpo enquanto dura o dia sagrado. Mas cabe a cada um de nós usar esta dádiva Celestial, que nos permite sentir e partilhar da santidade do dia.
Ki Vo Shavat Mikol Melachto – Pois nesse dia Ele descansou de toda a Sua obra
O descanso e o repouso foram criados no Shabat como o propósito máximo do trabalho. Portanto, o Shabat é o que permite que o judeu colha os frutos de seu empenho semanal. Se não existisse o Shabat, nosso trabalho material e espiritual seria em vão.
É importante notar que o conceito de descanso Divino é uma metáfora. A Torá atribui qualidades humanas a D’us para que nós, seres humanos finitos, possamos entender um pouco sobre o Criador Infinito, que, por definição, está além de nossa compreensão. Descanso Divino não significa que D’us parou de trabalhar porque estava cansado. Tais limitações não se aplicam ao Infinito. D’us “descansar” significa que a Energia Divina (a Sefirá) que predominava no sétimo dia da Criação era Malchut, que é uma Sefirá passiva, diferentemente das demais seis (Chessed, Guevurá, Tiferet, Netzach, Hod e Yessod). Ver o artigo “As sete Sefirot da emoção” – (Morashá no. 69)
Asher Bara Elo-him Laassot – Que D’us criou para fazer
A palavra Laassot (fazer) parece fora de contexto. Há Sábios que traduziram essas palavras da seguinte forma: “Que D’us criou para o homem fazer”. Ou seja, a atividade criativa e a capacidade de alterar o estado do mundo nos foram dadas por D’us. Os seres humanos se tornaram, por assim dizer, parceiros de D’us na Criação. Fomos criados para trabalhar para aperfeiçoar e remodelar o mundo. Além disso, somos ordenados a fazê-lo da mesma forma que D’us o fez ao criar, Ele mesmo, o Universo: devemos trabalhar durante seis dias e repousar no sétimo.
Savri Maranan – Atenção, senhores!
É costume que os ouvintes respondam a esse chamado dizendo, “LeChaim” – “À vida!”. Isso é permitido, pois não é considerado uma interrupção.
Baruch Ata Ado-nai, Elo-henu Melech HaOlam, Bore Peri Haguefen– Bendito és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que crias o fruto da videira.
Como vimos acima, essa bênção é recitada quando o Kidush é feito sobre o vinho casher (ou suco de uva casher). Quando não há vinho nem suco de uva casher, usa-se pão. Caso não haja nem pão pode-se usar outra bebida alcoólica casher. (Nesse caso, recita-se a bênção do ShehacolBaruch Ata… Shehacol Nihiá Bidvaro). Os ouvintes respondem “Amén” após ouvir essa bênção.
Baruch Ata Ado-nai, Elo-henu Melech HaOlam, Asher Kideshanu Bemitzvotav VeRatzah Banu – Abençoado és Tu, Eterno, nosso D’us, Rei do Universo, que nos santificaste com Teus mandamentos e que a nós desejaste
Essa benção indica o deleite e a satisfação Divina conosco, como consta no verso, “Pois o Eterno se alegra com Seu povo” (Salmos, 149:4). Ao compartilhar conosco Sua Vontade, que é a Torá e seus mandamentos, D’us nos santificou. Ensina o Talmud que um emissário é como seu mestre, pois age em nome do mestre e incorpora sua vontade. Da mesma forma, quando executamos a Vontade Divina, estamos servindo de seus emissários neste mundo e, assim, nos unimos a Ele.
VeShabat Kodsho Beahava Uveratzon Hinchilanu– E nos deu, em amor e boa vontade, Seu sagrado Shabat como um legado:
Os conceitos “amor” e “boa vontade” são mencionados em todas as orações e bênçãos de Shabat. Expressam a idéia de que a dádiva do Shabat para o Povo de Israel é uma expressão do amor Divino. O Talmud ensina que “O Santo, abençoado é Ele, disse a Moshé: ‘Eu possuo uma dádiva preciosa na Minha casa entesourada, chamada de Shabat, e Eu desejo dá-la a Israel’” (Shabat, 10b).
Como um legado: a dádiva do Shabat não foi um legado apenas para uma geração, e sim, para todas as gerações do Povo Judeu. Como está escrito: “E os Filhos de Israel guardarão o Shabat, para fazer do Shabat uma aliança perpétua por todas as suas gerações” (Êxodo, 31:16).
Zikaron Lemaase Bereshit:Em lembrança da obra da Criação
Está determinado nos Dez Mandamentos, “Lembra-te do dia do Shabat para santificá-lo. Em seis dias o Eterno fez os Céus e a Terra… e descansou no sétimo dia” (Êxodo, 20:8, 11). O Shabat é o testemunho de que D’us criou o Universo e de que Ele é a única Fonte de tudo o que existe. Todos os universos, físicos e espirituais, e tudo o que neles há, desde a mais ínfima partícula de pó até a mais elevada das criaturas celestiais, foram criados e são sustentadas por Ele, que transcende e preenche toda a Criação.
Techila Lemikraei Kodesh – A primeira das convocações de santidade (festas sagradas)
Shabat é a primeira de todas as festas, tanto por ter sido santificado desde a Criação e também porque é a primeira a ser mencionada na Torá (Levítico, 23:2-3).
As festas judaicas, como PessachSucot e Shavuot, são denominadas pela Torá de “convocações de santidade” porque antes de o calendário judaico ser criado, o início de um novo mês dependia da proclamação do Beit Din, o tribunal judaico. Portanto, o dia exato no qual ocorreria uma festa sagrada dependia da proclamação, por esse tribunal, do início de um novo mês, isto é, de Rosh Chodesh. Já o Shabat, este é independente de qualquer proclamação do Beit Din; ele é sempre o sétimo dia da semana, pois foi o Criador quem o proclamou.
A bem dizer, o Shabat nem deve ser referido como “convocação de santidade”. Mas o terceiro livro da Torá, o Levítico, que relaciona as festas sagradas, inicia-se com uma menção ao Shabat. A razão para tal é que o sétimo dia é a matriz de todos os dias sagrados judaicos.
De fato, apesar de muitos não o saberem, qualquer Shabat é o dia mais sagrado do ano judaico, até mesmo mais do que Yom Kipur. Trabalhar no Shabat constitui uma transgressão muito mais séria do que fazê-lo em Kipur. Ademais, com algumas exceções, as leis referentes às datas sagradas – ou seja, o que podemos ou não fazer – derivam das leis referentes ao Shabat. Pois como está escrito: “A santidade do Shabat é superior a todas as santidades, e sua bênção é superior a todas as bênçãos” (Aruch HaShulchanOrach Chaim, 242:1).
Zecher Litsiat Mitsrayim – A recordação do Êxodo do Egito
Shabat se relaciona com a Criação do mundo e com o Êxodo do Egito. Esses dois conceitos são interligados: o Shabat nos faz lembrar que D’us criou o Universo todo e o Êxodo nos ensina que Ele está envolvido em Seu mundo mediante o controle da natureza, manipulando-a segundo Sua Vontade, enquanto se relaciona com todas as Suas criaturas por meio de Sua Divina Providência. O Shabat nos ensina que D’us, como Criador de tudo, é Infinito e transcende o Universo. Mas o sétimo dia também nos transmite que D’us, como Força responsável pelo Êxodo, que realizou grandes milagres para nossos antepassados e os libertou da escravidão egípcia, é iminente, profundamente envolvido na vida de cada um de nós.
Quando recitamos o Kidush, devemos ter em mente o seguinte. Apesar de sermos criaturas finitas, estamos aqui, de pé, testemunhando que foi o D’us de Israel quem criou tudo o que existe, e como Ele é iminente, presente em todos os lugares e a todo tempo, Ele está atento a nosso testemunho de que Ele é nosso D’us. O Talmud nos ensina que aquele que recita o Kidush se torna parceiro de D’us na Criação, pois serve de testemunha de que tudo o que existe, nos reinos do físico e do espiritual, tem uma única Origem, que é o Criador Infinito, Mestre e Senhor de Tudo.
Assim está dito nos Dez Mandamentos, como aparece em Deuteronômio, 5:15: “E lembrarás que servo foste na Terra do Egito, e que o Eterno, teu D’us, te tirou de lá, com mão forte e com braço estendido; portanto o Eterno, teu D’us, te ordenou para guardar o dia do Shabat”. Os comentaristas bíblicos explicaram que, como Criador do mundo, D’us é também seu Senhor e Mestre. O Êxodo do Egito é um sinal de Sua Providência e domínio sobre o mundo, e prova de Sua criação desse mundo.
VeShabat Kodshecha BeAhavá Uveratzon Hinchaltanu– E Teu sagrado Shabat, com amor e boa vontade Tu nos deste como um legado
Shabat não é um fardo, mas uma dádiva de amor e favorecimento Divino. Não fora pelo Shabat, muitos de nós trabalharíamos sete dias por semana, tornando-nos escravos de nós mesmos. D’us nos força a parar no sétimo dia sagrado e a nos retirarmos das tarefas mundanas, em nosso próprio benefício. O Shabat é, pois, um dia de reposição de nossas forças físicas e espirituais. É um momento em que devemos esquecer-nos de nossas preocupações e desfrutar a vida e suas bênçãos.
Shabat, esse legado que os Filhos de Israel receberam, tem preservado não apenas o judaísmo, mas também os judeus enquanto nação. É voz corrente, muito apropriadamente, que “o Shabat guarda os judeus mais do que os judeus guardam o Shabat”. Por razões óbvias, aquele que guarda o Shabat tem muito menos chance de se assimilar e de perder sua identidade como judeu. Não basta lembrar que somos judeus apenas em Rosh Hashaná e Yom Kipur, ou seja, judeus de três dias. No mínimo uma vez por semana o Shabat nos faz lembrar quem realmente somos.
Baruch Ata Ado-nai Mekadesh HaShabat – Bendito és Tu, Eterno, que santificas o Shabat
Essa bênção conclui o Kidush. Diferentemente da santidade das festas judaicas, a santidade do Shabat não depende do Povo de Israel; pelo contrário, é D’us, Ele Próprio, quem o santifica. Essa bênção é escrita no tempo presente, porque o Shabat foi santificado não apenas na época da Criação, mas a manifestação e influência contínua dessa santidade aparecem e emanam como novas a cada semana.

Após beber o vinho do Kidush, procedemos à lavagem ritual das mãos (Netilat Yadayim). Depois recitamos a bênção sobre o pão e jantamos. Após a refeição, recitamos o Bircat Hamazon, em que agradecemos ao Criador por Sua beneficência e generosidade e pedimos por uma época em que todos os dias sejam como o Shabat – uma era de paz, abundância, deleite e descanso para toda a humanidade.

Bibliografia:
The Schottenstein Edition - Siddur Sefard for the Sabbath and Festivals - Artscroll Mesorah
Rabi Steinsaltz, Adin,The Miracle of the Seventh Day, 
Ed. Jossey-Bass
Mindel, Nissan, My Prayer - Volume II: Shabbat Prayers, Ed. Merkos L'Inyonei Chinuch

O Lechá Dodi do Rabi Shlomo Alkabetz


O Lechá Dodi é o ponto alto do Cabalat Shabat – o serviço de orações das noites de sexta-feira, quando recebemos o Shabat. De todas as orações desse dia, o Lechá Dodi é a mais famosa e bela, e nenhuma outra é recitada com tanto júbilo e fervor.
Edição 68 - Junho de 2010 Revista Morashá

Escrita pelo poeta e cabalista sefardita do século 16, o Rabi Shlomo HaLevi Alkabetz, o Lechá Dodi foi adotado por todas as comunidades judaicas, sefarditas e asquenazitas.
Pouco se sabe sobre Rabi Alkabetz, que nasceu por volta de 1505, até que ele se estabeleceu na cidade de Salônica, onde se tornou extremamente respeitado por seus profundos conhecimentos da Torá, Talmud e das obras místicas. Em meados de 1535, após vivenciar com Rabi Yossef Caro, autor do Shulchan Aruch, uma experiência mística, deixou essa cidade e fixou residência em Safed. A cidade era um grande centro de estudos místicos, onde viviam e ensinavam grandes sábios sefaraditas, profundos conhecedores do Talmud e da Cabalá, como Rabi Moshe Cordovero, Rabi Chaim Vital e o próprio Arizal, Rabi Itzahak Luria, o maior cabalista na história judaica.
Em Safed, às sextas-feiras, ao pôr-do-­sol, Rabi Alkabetz ia com outros cabalistas aos campos, para dar as boas-vindas ao Shabat. Foi nessa atmosfe­ra que Rabi Alkabetz escreveu a po­ema Lechá Dodi. Apesar de outras saudações poéticas ao Shabat terem sido compostas por outros Sábios, foi o Lechá Dodi que recebeu o endosso de Rabi Yitzhak Luria, discípulo do cabalista Rabi Cordovero, aluno e cunhado de Rabi Alkabetz.
Tendo sido composto por um homem que foi um grande erudito em Torá, cabalista e poeta, o Lechá Dodi tem muitas camadas de significado. Baseia-se em fontes encontradas nos Cinco Livros da Torá, nos Livros dos Profetas e nas Escrituras Sagradas, no Talmud e Midrash, e faz referências a alguns dos assuntos mais profundos e complexos da Cabalá. Mas como a interpretação cabalista de seus versos está além do escopo deste ensaio, elucidaremos o significado básico das estrofes do Lechá Dodi, para que cada um de nós possa ter condições de melhor apreciar suas palavras quando as recitamos durante as orações da noite de Shabat.
O tema geral do Lechá Dodi é que o Shabat é uma “Noiva” ou uma “Rainha”, a quem saímos para receber e dar as boas vindas. Estas metáforas se baseiam na descrição do Talmud sobre a alegre saudação dos Sábios ao Shabat (Shabat, 119a): Rabi Chanina costumava envolver-se em suas vestes especiais do Shabat e dizer: ‘Vamos, saiamos para saudar a Rainha do Shabat’ ”. Rabi Yannai se aparamentava com suas vestimentas especiais e dizia: “Entre, noiva! Entre, noiva!”. O Lechá Dodi divide-se em estrofes. Algumas congregações têm o costume de repetir a primeira estrofe (Lechá Dodi Likrat Kala, Penei Shabat Necabelá) após recitar cada uma das demais estrofes. Abaixo traduzimos e elucidamos cada estrofe individualmente.
Lechá Dodi
“Vem, meu Amado, saudar a Noiva, vem, vamos dar as boas vindas à Presença do Shabat.”
Lechá Dodi se inicia convidando nosso “Amado”, o Próprio D’us, a se unir a nós no Shabat. A “Noiva” é o próprio Shabat. O Midrash (Bereshit Rabá 11) ensina que quando D’us criou o tempo, dividindo-o em sete dias, Ele prometeu ao recém-criado Shabat que “Israel será seu novo par” para sempre. Conseqüentemente, a cada semana, o Povo Judeu saúda a aproximação do Shabat como se fosse um noivo que aguarda sua noiva, enquanto esta se aproxima do pálio nupcial.
Outro comentarista (Anat Yosef) interpreta a “Noiva” como sendo uma alusão à Shechiná, a Presença explícita de D’us, que foi retirada do homem devido aos pecados de Israel. Por isso, pedimos ao Eterno que se una a nós ao saudar Sua própria Presença; estamos orando a Ele pelo fim do exílio, para que a Shechiná volte novamente a brilhar sobre o Povo Judeu e sobre o mundo todo. Isto somente ocorrerá com a chegada do Mashiach e a reconstrução do Templo Sagrado de Jerusalém.
Shamor
“Guarda e Recorda, ditos em uma expressão única e simultânea, nos fez ouvir D’us, Uno e Único. O Eterno é Um e Seu Nome é Único – por seu bom nome, por sua beleza, por seu louvor.”
O Talmud (Shevuot 20b) ensina que quando D’us deu os Dez Mandamentos, Ele milagrosamente habilitou Israel a ouvir simultaneamente os dois aspectos complementares do mandamento do Shabat: Shamor (Deuteronômio, 5:12) – para guardar o Shabat – é a ordem de evitar sua profanação, ao passo que Zachor (Êxodo, 20:8) – para recordar o Shabat – é a ordem de realizar os mandamentos positivos associados a esse dia, tais como recitar o Kidush sobre um copo de vinho e dedicar o dia a atividades que são permitidas, espiritualmente elevadas e fisicamente alegres, tais como a oração, o estudo da Torá, o descanso e o prazer das refeições do Shabat. Apesar de a Torá escrever esses dois mandamentos, Shamor e Zachor, de forma separada, D’us os combinou no Sinai para que o Povo Judeu entendesse que os mesmos são inseparáveis.
Um dos comentários sobre o Sefer Yetzirá (o Livro da Formação), o livro mais antigo sobre a Cabalá, afirma que a capacidade de D’us de fundir os opostos é indicada pela descrição d’Ele como sendo “Um e Único”. O Infinito Criador, que não é limitado de forma alguma, realiza o feito impossível de pronunciar as palavras “Recorda” e “Guarda” de forma simultânea.
Licrat
“Para recebê-lo, vamos à frente do Shabat. Pois que ele é a origem de toda a bênção. Desde o início, desde tempos antigos, o Shabat foi glorificado. Foi o último a ser criado, mas é o primeiro em Seu pensamento.”
O Zohar nos ensina que todas as bênçãos e sucessos que desfrutamos durante a semana advêm em decorrência da santidade do Shabat. Este livro fundamental da Cabalá cita o Sábio, Rabi Yitzhak, que, referindo-se ao verso, “E D’us abençoou o sétimo dia” (Gênese, 2:3), declarou que “todas as bênçãos dos mundos superiores e inferiores derivam do sétimo dia”. De modo semelhante, o Talmud (Shabat, 118a) ensina que aquele que traz alegria ao Shabat é recompensado com um legado ilimitado de bênçãos e verá cumprirem-se todos os desejos de seu coração.
A idéia de “o último a ser criado, mas o primeiro em Seu pensamento” significa que apesar de que o Shabat foi o ato final da Criação – o sétimo dia, no qual D’us nada criou, mas apenas o conceito do descanso – o Shabat foi o propósito primordial de D’us ao criar este Mundo. De fato, quando se prevê um grande projeto, primeiro fazem-se os preparativos antes de começar a implementar o trabalho. No desígnio de D’us era da maior importância que houvesse um dia de santidade em meio à Criação, mas, antes disso, o universo inteiro tinha que ser criado. O Midrash explica este conceito através da seguinte analogia: um rei preparou um belo pálio e o decorou ricamente. O que faltava para completá-lo? A noiva, é claro. Evidentemente, enquanto o rei preparava e decorava o pálio, ele tinha em mente a noiva com quem estava prestes a se casar. O mesmo pode ser dito sobre o Rei do Universo, que criou todo o mundo para a Rainha Shabat (Bereshit 10:9).
Micdash
“Santuário Real, cidade de realeza, levanta-te e emerge de teus escombros. Muito tempo habitaste no vale das lágrimas. D’us misericordioso terá piedade de ti.”
Na Cabalá, o sétimo dia da semana, o Shabat, é associado com a sétima Sefirá emocional, Malchut (Realeza). O Shabat, o dia da Realeza, está interligado com Jerusalém, a cidade da Realeza, com o Rei David (que a estabeleceu como a capital eterna do Povo Judeu) e com seu descendente, o Rei Mashiach, que irá reinar a partir de Jerusalém. Ensinam-nos que quando o Mashiach vier, Jerusalém e o Templo Sagrado serão reconstruídos, e que na Era Messiânica, todo dia será Shabat – um dia de paz e júbilo – para todos os seres humanos.
Jerusalém personifica o Povo Judeu. Lechá Dodi chama esta cidade sagrada de “Santuário do Rei” – um título emprestado do profeta Amós. Jerusalém é chamada de cidade real porque nela a presença de D’us, o Rei supremo, era particularmente sentida, especialmente no Templo Sagrado, que ficava no centro espiritual de Jerusalém. De fato, a Shechiná residia no Templo Sagrado, como reza o verso: “E me farão um Santuário para que Eu possa habitar no meio deles” (Êxodo, 25:8). Jerusalém era, também, o lar do maior rei terreno de todos os tempos – o Rei David – e será também a residência real do descendente de David, o Rei Mashiach, que liderará o mundo a caminho de uma era de utopia.
Hitnaari
“Sacode o pó e levanta-te! Adorna-te com teus belos vestidos, meu povo, pela mão do filho de Ishai, de Betlechem. Aproxima-te de minha alma, para redimi-la!”
Esta estrofe faz referência a um verso em Isaías (52:2), no qual o profeta se dirige a Jerusalém como se fosse uma mulher se esvaindo no pó da humilhação. Ele a intima a se erguer, vestir-se com suas mais belas vestes, e retomar seus modos nobres. Iyun Tefilá comenta: “Jerusalém – suas mais belas vestes são Israel. Deixa vir a redenção para que eles novamente possam habitar-te em santidade”.
A referência ao filho de Ishai representa o próprio Mashiach, que irá descender do Rei David, filho de Ishai. É o Mashiach que irá redimir a alma do Povo Judeu e de cada judeu individualmente. O apelo, “Aproxima-te de minha alma, para redimi-la”, pode ser interpretado de duas maneiras: como uma exortação a D’us para redimir nossas almas com a Redenção Messiânica, ou como uma declaração que é como se essa era já tivesse chegado com o advento do Shabat, que é comparado à Redenção. A estrofe seria traduzida como: Você chegou perto de minha alma: Você a libertou.
Hitoreri
“Desperta, desperta! Pois tua luz chegou; levanta e ilumina. Desperta, desperta! Entoa um cântico. A glória do Eterno sobre ti foi revelada.”
O poeta conclama o Povo Judeu a despertar de seu exílio, que é comparado a um estado de torpor – onde ocorrem pesadelos absurdos e assustadores. Ele também volta a se dirigir a Jerusalém, exortando-a a se erguer da morosidade espiritual do exílio e exibir o brilho que outrora fizera a sua grandeza. A estrofe termina declarando que a glória de D’us retornou – como se a Redenção já houvesse ocorrido. Trata-se da paráfrase de um verso do profeta Isaías, que diz: “Dispõe-te, resplandece, porque vem a tua luz, e a glória do Eterno nasce sobre ti” (Isaías, 60:1).
Lo Tevoshi
“Não te humilhes mais, não mais te envergonhes, por que te curvas? Por que te desconsolas? Em Ti os pobres de Meu povo encontrarão um refúgio e no Monte será reconstruída a Cidade.”
Lechá Dodi segue adiante com os temas de Jerusalém e da Redenção Final. O poeta assegura ao Povo Judeu que com o advento da Era Messiânica, este povo jamais voltará a conhecer a vergonha ou a desgraça. O Templo Sagrado de Jerusalém foi destruído duas vezes, e o Povo Judeu sofreu muitos exílios, perseguições e massacres, mas, após a Redenção, tais coisas jamais voltarão a ocorrer: o Terceiro Templo permanecerá para sempre, e o Povo Judeu jamais voltará a ser exilado da Terra de Israel.
Dirigindo-se a Jerusalém, o poeta assegura a Cidade Santa de que a mesma será um porto seguro para os judeus que para lá retornarem dos quatro cantos da Terra. O tema dessa estrofe ecoa a profecia de Isaías que diz: “D’us fundou Tzion (Jerusalém) e os pobres de Seu povo nela encontrarão refúgio” (Isaías, 14: 32). Segundo Rashi, o comentarista clássico da Torá, “os pobres de Seu Povo” incluem as Dez Tribos de Israel, que foram exiladas pelos assírios mais de um século antes da destruição do primeiro Templo Sagrado.
A última linha da estrofe é tirada de uma profecia que aparece no Livro de Jeremias: “Assim disse D’us, ‘Eis que restaurarei a sorte das tendas de Yaacov e me compadecerei das suas moradas; a cidade será reedificada sobre o seu monte de ruínas (o Monte do Templo) e o palácio (o Templo sagrado) será restaurado como outrora’ ” (Jeremias, 30:18).
Vehaiu
“Serão pisoteados aqueles que te pisotearam, e serão afastados aqueles que te destruíram. Teu D'us se rejubilará contigo como o noivo se alegra com sua noiva.”
Esta estrofe também se baseia em citações dos profetas Isaías e Jeremias, que, falando em nome de D’us, prometeram que na Era Messiânica, quem oprimiu e perseguiu o Povo Judeu, será tratado “medida por medida” (na medida exata).
A cidade santa de Jerusalém foi destruída inúmeras vezes, e Sua Terra Santa foi devastada, mas D’us nos assegurou, através de Seus profetas, que Jerusalém, bem como as cidades e aldeias da Terra de Israel, não apenas seriam reconstruídas, mas se tornarão mais abarrotadas do que antes de judeus que irão retornar à sua Pátria.
Sobre a analogia da estrofe do noivo e da noiva, o famoso comentarista Rabi David Kimchi (Radak) observa: Assim como o noivo e a noiva são fiéis um ao outro, excluindo-se todos os demais, assim também a Terra de Israel, quando esteve ocupada por outras nações, nunca aceitou outros habitantes, e permaneceu deserta e desolada durante milênios. Somente o Povo Judeu, seus verdadeiros habitantes, são bem vindos por ela, e a terra apenas responde aos judeus, rejubilando com eles como um noivo e a noiva que pertencem um a outro e se amam.
De fato, a história comprovou quão verdadeira é a observação de Radak: desde que os judeus foram expulsos de sua Pátria, a Terra Santa nunca se tornou um país independente, e Jerusalém nunca se tornou capital de uma nação. O solo da Terra Santa, que permaneceu deserto por séculos, somente começou a gerar frutos quando os judeus retornaram à sua antiga Pátria e lá estabeleceram um moderno estado, com Jerusalém como sua capital.
Iamin
“À direita e à esquerda, tu estenderás o teu poder, e glorificarás o Eterno através do descendente do filho de Peretz. Então alegrar-nos-emos e regozijar-nos-emos.”
Com a Redenção Messiânica advirá o cumprimento da profecia de Isaías de que Jerusalém irá sobrepujar seus adversários à esquerda e à direita. Nossos Sábios ensinam que quando o Mashiach vier, a Terra de Israel irá cobrir toda a Terra: isto significa que todo o mundo será permeado com a santidade que emana da Terra Santa.
Esta estrofe novamente se refere ao Mashiach – o profeta e agente de D’us que irá restaurar a grandeza de Jerusalém e trará a era utópica pela qual a humanidade há tanto almeja. O Mashiach é “o homem que descende de Peretz”, pois ele é o descendente do Rei David, cuja linhagem se iniciou com Peretz, o filho de Yehudá, que era um dos 12 filhos de nosso patriarca Yaacov.
A palavra “Tifrotzi” (“te disseminarás poderosamente”) tem a conotação de uma erupção. Deriva-se da mesma raiz do nome Peretz, que “irrompe para diante” do útero de sua mãe (Gênese, 38:29). O Talmud ensina que isto indica a herança ilimitada que o Povo Judeu irá receber na Era Messiânica em virtude de seu antepassado Yaacov ter personificado o atributo Divino de Tiferet – Verdade e Beleza. É a Sefirá de Tiferet que une Chessed (Bondade) à Guevurá (Severidade), referidas, respectivamente, como a direita e a esquerda.
As palavras finais da estrofe são parte de um bem conhecido versículo de Isaías (25:9) que descreve o regozijo que o Povo Judeu vivenciará quando D’us Se revelar a eles, no momento da Redenção Final: “E naquele dia, se dirá: Eis que este é o nosso D’us em quem esperávamos e Ele nos salvará: este é o Senhor, a Quem aguardávamos: exultaremos e nos alegraremos em Sua salvação”.
Os místicos judeus ensinam que o júbilo e a alegria não são meros resultados da Redenção. Pelo contrário, é o próprio júbilo o que rompe as fronteiras da limitação e do exílio, trazendo consigo a Redenção.
Iamin
“À direita e à esquerda, tu estenderás o teu poder, e glorificarás o Eterno através do descendente do filho de Peretz. Então alegrar-nos-emos e regozijar-nos-emos.”
Com a Redenção Messiânica advirá o cumprimento da profecia de Isaías de que Jerusalém irá sobrepujar seus adversários à esquerda e à direita. Nossos Sábios ensinam que quando o Mashiach vier, a Terra de Israel irá cobrir toda a Terra: isto significa que todo o mundo será permeado com a santidade que emana da Terra Santa.
Esta estrofe novamente se refere ao Mashiach – o profeta e agente de D’us que irá restaurar a grandeza de Jerusalém e trará a era utópica pela qual a humanidade há tanto almeja. O Mashiach é “o homem que descende de Peretz”, pois ele é o descendente do Rei David, cuja linhagem se iniciou com Peretz, o filho de Yehudá, que era um dos 12 filhos de nosso patriarca Yaacov.
A palavra “Tifrotzi” (“te disseminarás poderosamente”) tem a conotação de uma erupção. Deriva-se da mesma raiz do nome Peretz, que “irrompe para diante” do útero de sua mãe (Gênese, 38:29). O Talmud ensina que isto indica a herança ilimitada que o Povo Judeu irá receber na Era Messiânica em virtude de seu antepassado Yaacov ter personificado o atributo Divino de Tiferet – Verdade e Beleza. É a Sefirá de Tiferet que une Chessed (Bondade) à Guevurá (Severidade), referidas, respectivamente, como a direita e a esquerda.
As palavras finais da estrofe são parte de um bem conhecido versículo de Isaías (25:9) que descreve o regozijo que o Povo Judeu vivenciará quando D’us Se revelar a eles, no momento da Redenção Final: “E naquele dia, se dirá: Eis que este é o nosso D’us em quem esperávamos e Ele nos salvará: este é o Senhor, a Quem aguardávamos: exultaremos e nos alegraremos em Sua salvação”.
Os místicos judeus ensinam que o júbilo e a alegria não são meros resultados da Redenção. Pelo contrário, é o próprio júbilo o que rompe as fronteiras da limitação e do exílio, trazendo consigo a Redenção.
Lechá Dodi conclui pedindo para que o Shabat venha para nós em paz. De fato, paz é a essência do Shabat; a própria saudação do dia é “Shabat Shalom”. Os temas do Lechá Dodi giram em torno da paz. Nossos Sábios ensinam que a paz é um dos nomes de D’us (cuja Shechiná nós invocamos), e que o próprio Shabat traz paz – paz nos mundos superiores e paz neste nosso mundo inferior. O nome Jerusalém – a cidade que é o maior tema do Lechá Dodi – tem vários significados, um dos quais é “cidade da paz”, e a Redenção Messiânica é, antes de mais nada, uma era de paz.
Mas o Shabat não trata apenas de paz, mas também de satisfação e de prazer. Como já dissemos, o júbilo do Shabat, não apenas nos assuntos espirituais mas também materiais, é um dos maiores mandamentos da Torá. Portanto, convidamos o Shabat para nos trazer júbilo e satisfação.
Se um Shabat coincide com uma festividade, incluindo-se Chol Hamoed – os dias intermediários de Pessach e Sucot – há uma ligeira, mas significativa variação na recitação dessa estrofe: algumas congregações substituem BeSimchá, (em alegria), por Beriná (em jubilosa canção); outras agregam a palavra BeSimchá.
Ao concluir o Lechá Dodi, procedemos – agora inundados com a alma adicional do Shabat, e na Presença da Shechiná – a recitar as orações tradicionais da noite do Shabat, que forjam um elo entre o homem e seu Criador, e trazem santidade e paz a todos os mundos criados por D’us.
Bibliografia:
Rabbi Menachem Davis, Siddur – Interlinear: Shabbat 
and Festivals, Artscroll-Mesorah
Rabbi Nissan Mindel, My Prayer volume 2, Ed. Merkos L’Inyonei Chinuch
www.chabad.org, Kabbalah Online, Lecha Dodi.